Eu estava diante do provável último homem de vidro de todo esse vasto mundo de borracha. Seu corpo estava um tanto quanto acabado, cheio de rachaduras e partes quebradas, visivelmente afiadas. Afiadas o suficiente pra um mero ser de borracha não querer se aproximar. Eu ofereci a mão para ajudá-lo a levantar. Ele olhou pra mim e, sem pensar muito, recusou. Não queria se levantar. Achava que não devia. E então me disse que não há nada de verdadeiro na esperança. Que ela é a expectativa do verdadeiro se realizar e que ela se torna real somente quando o que está em questão é falso. Eu disse a ele que estava errado.
Não seja um homem de vidro, ele disse. Deixe que pessoas dispostas segurem o seu coração, porque assim você não vai precisar de esperança. Não seja um homem de vidro, insistiu. As pessoas vão olhar através de você e não verão nada além do que já podem enxergar na sua ausência. Você não terá valor algum. Eu mais uma vez disse a ele que estava errado. Elas terão medo de se cortar, muito medo. Você também vai ter. Medo de machucar aqueles que são importantes pra você. Medo de acabar sozinho como eu. Medo de existir. Às vezes a vida de um homem não é determinada pelo que ele tem coragem de fazer, e sim pelo que ele teme fazer. E quanto a você, o que você teme, garoto? Eu hesitei, não estava preparado pra responder essa pergunta. Ninguém está, ele disse, como se conseguisse ler os meus pensamentos.
O silêncio nos engoliu sem muito esforço. Aqueles eram os últimos momentos do homem que havia passado a vida esperando que alguém se arriscasse a segurar seu coração de vidro. Seu corpo se despedaçava lentamente e os cacos de vidro eram suavemente levados pelo vento como se estivessem voltando a ser areia. Eu sentei ao seu lado e esperei. Não sabia pelo quê, mas estava esperando. Ainda lhe sobrou energia pra dar um sorriso e dizer que eu não precisava me preocupar. Corações de vidro não se machucam, eles apenas quebram. E eu disse uma última vez o quão errado ele estava.
Esse texto é inspirado em "A lenda do cavalheiro de prata", de Guilherme Moraes.

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