segunda-feira, 20 de abril de 2015

Porque há dois tipos de pessoas e dois lados para cada história.

Em uma gloriosa noite, um mero mortal caminhava na praia desejando um pouco de aventura em sua vida. Observava as estrelas calmamente até perceber que as ondas do mar haviam trazido a ele um pedacinho de tudo o que ele procurava. Uma moça desacordada vestida com um estranho vestido preto que parecia ser uma extensão de seu próprio corpo. Quando se deu conta, borboletas com asas carmesim voavam graciosamente a sua volta. O mortal então encarou o horizonte e clamou pela vida instável em seus braços. Decidindo então leva-la pra casa.

Suas costas sangravam com a cor das asas das borboletas que ele vira mais cedo. Porém, quando o mortal limpou o suposto local dos ferimentos, não havia nada lá. Nem um arranhão. Ele deitou o corpo gélido da moça pra descansar perto da lareira, sentou-se no sofá e adormeceu não muito depois.

Na manhã seguinte, foi acordado pelo leve toque de mãos estranhas. Mais quentes que o normal. Mais amistosas do que ele estava acostumado. A moça estava de pé ao seu lado, chamando por seu nome. Pela primeira vez estava olhando em seus olhos. E seu coração estava agora tão iluminado quanto o céu da noite anterior. Sua voz penetrava os sentidos do mortal e o fazia ter a sensação de ainda estar sonhando.

O mero mortal a questionou sobre saber o nome dele, mas ela mesma não sabia o porquê e se queixou de uma dor estonteante nas costas. Ele a explicou o motivo de ela estar em sua casa. A moça não se mostrou surpresa. Pelo contrário, ela parecia estar mais que feliz por estar ali. O mortal então prometeu ajuda-la a se lembrar de onde veio e quem era. Ele sentia algo estranho exalando dela. Um tipo diferente e mágico de atração estava crescendo dentro dele.

A moça pediu ao mortal que a levasse pra conhecer os arredores, pois não fazia a mínima ideia de onde estava. Algo estranho aconteceu. A moça começou a se lembrar detalhadamente de todos os lugares por onde passavam. Como se morasse há muito tempo naquela pequena cidade do interior. O mortal ficou assustado, pois naquela cidade todos se conheciam e ele com certeza nunca havia encontrado um ser tão encantador como ela. Sua dor havia diminuído um pouco, portanto estava mais animada do que pela manhã.

Depois de um longo passeio pela cidade, chegaram até o mesmo lugar na praia onde ele havia salvo a moça. O dia já estava no fim. A moça se aproximou da água e no exato momento em que a primeira onda se chocou contra suas pernas, ela caiu. Caiu como se nunca estivera de pé. Um desmaio instantâneo que não durou muito. Poucos minutos depois ela acordou mais uma vez nos braços do mero mortal. E assim que seus olhos o reconheceram ela o puxou pra perto e o beijou. Beijaram-se com a intensidade de um terremoto. Como a melodia de uma orquestra. Não se sabe quanto tempo durou.

Após o beijo, calaram-se. O mortal hipnotizado pela presença do ser angelical. E a moça confusa com suas próprias ações. A noite caiu.

Quando a lua chegou a altura máxima do céu, eles ainda estavam calados e imóveis, como se o próprio movimento fosse um crime inafiançável. Então a moça começou a tremer. Disse desesperadamente que suas costas estavam queimando, como o próprio amor que eles agora compartilhavam. E quando ela parecia não conseguir mais resistir a dor, seu corpo parou. Duas asas negras desabrocharam de suas costas como verdadeiras flores na primavera. A sensação de estar sonhando mais uma vez envolveu o mortal, que a abraçou o mais forte que pôde como se ela estivesse ameaçando fugir.

Ela retribuiu o abraço e lhe disse que suas memórias voltaram. Porém, ao começar a falar sobre si mesma, tudo o que ela dizia era na verdade parte das memórias do mero mortal. Ele estava assustado. Soando frio. Sabia que eram suas memórias de algum modo, mas não sabia sequer que dia da semana era. Não sabia seu nome. Não sabia onde morava. Não lembrava de sua família ou de amigos. O anjo o beijou mais uma vez. E ele não saberia como escapar daquela aventura pela qual sempre desejou. Era como amar a si mesmo para além da imagem do anjo.

Deram as mãos e em um singelo bater de asas o anjo e o mortal voaram como se fossem um só. E naquele momento eles eram. O anjo o levou pra longe, muito longe, no meio do oceano. O mortal não conseguia se mover. Estava possuído pelo amor do anjo. Pelo seu próprio amor. Suas memórias haviam desaparecido por completo e sua consciência não conseguia sobrepor o efeito do calor que emanava do corpo dela. Ele sabia que era o fim. Tudo o que possui vida reconhece o fim mesmo que não possua noção do que está prestes a perder.

É assim que os anjos amam. Sugam toda a essência de vida para si. Tornam os mortais dependentes de sua presença e constância. Um último beijo. Um último suspiro. E o anjo solta o mortal que despenca para a morte.

Essa é a história de amor entre um mortal e um anjo. Tudo o que nós sempre seremos. Os anjos que não reconhecem a capacidade de errar dos meros mortais. Os mortais que não aceitam a capacidade de desistir dos seres angelicais. Um amor impossível que torna todos os dias uma perigosa aventura. O fim é o fim. Nada além disso. Nenhuma interpretação faria dessa história um final feliz. Suas asas se desfazem com o vento e eles apenas caem. E você não pode dizer que eles não amam apenas porque estão fazendo isso da maneira deles. Essa é a eterna relação entre amar e errar.

Afinal, anjos também erram.


Um comentário:

  1. Eu acho que escrevo bem até o momento em que venho aqui ler seu novo texto e fico arrepiado com a leitura. Cara, sem palavras. Você escreve MUITO bem. Passou muito bem a emoção para mim.

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