De tempos em tempos eu vejo a citação "Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.", da Clarice Lispector, sendo postada em redes sociais ou em legendas de fotos. Então hoje eu decidi que tentaria definir esse desejo e mostrar que liberdade não é pouco. Por que não é pouco? Porque assumindo a existência desse algo a mais, podemos considerar a liberdade como o ideal pra manter nossas intenções. Pra dizer que a liberdade é pouco alguém tem que estar desfrutando do próprio estado de liberdade, ou pelo menos achar que está. Por que alguém desejaria algo a mais que essa liberdade? Porque nós queremos ter o controle do nosso destino e do que acontece ao nosso redor. Queremos que tudo aconteça como planejamos e que o mundo conspire a nosso favor. E isso é algo que vai bem além até mesmo do significado de liberdade. É quase como almejar os poderes de um deus.
Desejar que algo se realize não é desejar por liberdade. Do mesmo modo que a não realização desse algo não significa ausência de liberdade. Apesar de ser fácil de confundir, desejar por liberdade é estar também preparado pra não realização do que você deseja. E o que seria esse algo a mais que uma liberdade? Uma liberdade na qual todas as possibilidades e consequências fossem acessíveis. Isso é, uma liberdade absoluta. E nessa liberdade absoluta tudo pode parecer muito justo mas também pode ser muito cruel. Porque esse acesso a todas as possibilidades e consequências vale tanto pras boas quanto pras ruins. É até complicado pensar sobre isso, porque é um estado inalcançável pra um ser humano. Fazendo uma analogia, eu diria que o máximo que nós conseguimos em nossas vidas é um regime semiaberto. Sonhe e deseje sem moderação, mas saiba que você vai ter que dormir todas as noites no chão frio da "prisão". E esse sim, é coberto de moderação.
Um estado de liberdade no qual o número de escolhas é praticamente ilimitado é uma ideia um tanto quanto assustadora, pelo menos pra mim. Porque acho que ninguém com consciência disso conseguiria tomar uma decisão sem hesitar. A vontade de que algo aconteça seria tomada pelo medo de não acontecer. Por serem tão abrangentes, no estado de liberdade absoluta as probabilidades e possibilidades perdem sua importância. Há muitas maneiras de se chegar ao acontecimento X. Mas há também incontáveis maneiras de não acontecer. E se o acontecimento de X não é inevitável, isso é, depende de uma ou mais escolhas pra acontecer, podemos assumir que as chances de X não acontecer são ainda maiores do que de acontecer. Porque ele está sujeito a essa relação de dependência. E isso mostra que um indivíduo no estado de liberdade absoluta tem logicamente muito mais chances de tomar as decisões que não o levam onde ele gostaria de chegar.
Não somos máquinas. E a princípio não somos artificiais também. Não há condições de um ser consciente capaz de hesitar, sentir medo e questionar aprender a lidar com essa liberdade absoluta. Quanto menos opções se apresentam, mais nos apegamos a elas. Porque com poucas opções é possível pensar com calma sobre elas. E teremos mais certeza da nossa escolha por causa disso. Não que todas as certezas cumpram seu papel da maneira que poderiam ou que gostaríamos. Mas são certezas. E no estado de liberdade absoluta essa certeza não existe porque não temos capacidade de analisar o leque quase ilimitado de opções. Se torna uma questão de instinto. Quase de sorte, na verdade. Então não nos apegamos a nenhuma delas com medo de estarmos tomando a decisão errada. E mesmo que fosse a certa, podemos acabar mudando pra errada apenas por chegar a infeliz conclusão de que a liberdade é uma capacidade de mudar ou controlar.
Eu interpreto a liberdade como um esforço pra lidar com as mudanças não efetuadas por nós e uma capacidade de se adaptar as consequências de nossas próprias escolhas também. E talvez por isso não existam muitas pessoas que se consideram livres. Porque estamos sempre sendo moderados por tradições, leis, padrões e tudo mais. São eles que filtram as nossas possibilidades. E o eterno confronto entre a liberdade, o desejo de liberdade e esse conjunto de limitações é a simples, convincente e violenta maneira da vida nos colocar em nossos devidos lugares. Ainda que nem todos estejam preparados pra aceitar isso, não há como fugir. Não há pra onde fugir.
Porque, independente de nossas escolhas, nós iremos dormir e acordar na prisão todos os dias de nossas vidas.

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