segunda-feira, 16 de novembro de 2015

E se eu te disser que somos todos palhaços e médicos socando paredes?

- Boa noite. Eh, sem querer incomodar mas... por que você está socando essa parede com tanta vontade?
- Ah, oi. Não é nada.
- E quanto a essas mãos machucadas?
- Não é nada.
- Já que não vai me responder, me deixe ao menos contar uma história. Talvez você conheça. É a história de um homem que vai ao médico e diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Diz que se sente sozinho e que tudo o que consegue sentir é vago e incerto. O médico diz que o tratamento é simples: há um famoso palhaço na cidade, assista ao espetáculo e você vai se animar. E então o homem começa a chorar e diz que ele é o tal famoso palhaço.
- Não estava esperando por uma história dessas. Mas o que isso tem a ver? Não estou deprimido.
- É, não está. Parece estar é transtornado. Mas a questão é que não acho que socar essa parede seja diferente do que o médico da história propôs ao homem.
- Quê? Ah cara, eu só pensei que eu podia ficar conversando com ela por horas sobre todas as coisas que nunca faremos juntos e todas as coisas que eu nunca vou poder dizer a ela.
- E quando soca essa parede, é uma parede que existe dentro de você ou dentro dela?
- Isso importa?
- Uhum.
- Eu poderia dizer que a parede existe dentro de mim, é o que me impede de esquecer o que sinto por ela. De sair dessa. Mas também posso dizer que a parede existe dentro dela, é o que impede ela de ser honesta comigo da maneira que eu sou com ela.
- Então vocês dividem essa parede.
- Parece que sim.
- E ainda assim você pretende derruba-la sozinho?
- Pretendo.
- E acha isso correto?
- Não sei. Onde você quer chegar afinal?
- Não quero chegar a lugar nenhum. Se eu quisesse, teria continuado a minha caminhada, não parado pra conversar com um cara transtornado socando uma parede em uma rua deserta em uma madrugada de sábado.
- Tá. Eu não sei se é correto. Precisa ser?
- Não, não precisa. Mas se derrubar essa parede fosse tão importante pra ela quanto é pra você, ou se pelo menos ela se importasse com você da mesma maneira que se importa com ela, ela não estaria aqui do seu lado ajudando a derruba-la?
-  Não tem importância. Ela não está aqui. Não sou uma prioridade pra ela do jeito que ela é pra mim.
- E você acha que quebrar os ossos das mãos vai trazer ela de volta?
- Não...
- Então.
- O que você quer que eu faça? Ela não vai voltar. Na verdade, ela vai, mas do jeito que ela quiser. E depois de um tempo ela vai embora de novo, sem avisar ou se importar. E eu não aguento mais isso. Está me corroendo por dentro e eu não consigo deixar pra lá. Não consigo esquecê-la ou fugir disso. Acha que eu sou um idiota por agir assim?
- Eu não sei o que aconteceu mas... não acho que você é um idiota. Eu tenho certeza.
- Como é?
- Nós todos apenas variamos de um pouco idiotas pra muito idiotas com relação ao amor.
- O que você quer dizer com isso?
- Eu quero dizer que todos nós merecemos que alguém quebre algumas paredes por nós, ou pelo menos tente. Todos nós merecemos alguém que esteja disposto a chorar por nós. A perguntar mil vezes se nós estamos comendo e dormindo direito. A sorrir conosco. A fazer as maiores loucuras sem hesitar.Você deve entender o que eu estou dizendo.
- Eu entendo sim... mas como eu vou saber se eu sou alguém assim? Como vou saber se eu sou uma dessas pessoas que merece estar ao lado dela?
- Você quer estar ao lado dela, não quer?
- Claro. É tudo o que eu mais quero no momento.
- Então já é um ótimo começo. Além do mais, você mesmo disse, ela sempre volta, não é?
- É, mas...
- Não é?
- É.
- Já se perguntou o porquê de ela sempre voltar?
- Não. Eu deveria?
- Não. Você não deve nada a ninguém, nem a ela.
-  Eu sei mas... sei lá, cara. Agora que você disse... por que será que ela sempre volta? Há algo em mim que ela não acha em nenhuma outra pessoa? Não dá pra saber.
- Por que você mesmo não pergunta a ela?
- Ela nunca responde as minhas perguntas. Não me conta as coisas. Às vezes eu sinto que não a conheço direito.
- Então comece pelas perguntas mais urgentes. Pergunte a ela porque ela não te conta e porque você sente que não a conhece direito.
- Não sei se eu consigo. Ela chama isso de independência.
- E você, do que chama?
- Não sei como responder essa pergunta. Mas por que?
- Talvez nem ela saiba como responder e por isso chama de independência. É uma palavra bonita de se usar nos dias de hoje.
- Agora que você comentou... é mesmo uma palavra fácil de usar contra alguém.
- E que não devia ser usada contra um alguém que se importa tanto com ela.
- É...
- Bem, então eu já vou indo. Boa sorte com a sua garota.
- Ei, espera. Por que parou pra conversar comigo? Quem é você? Isso está sendo uma das coisas mais bizarras que já aconteceram na minha vida.
- Eu não sou ninguém. Não quero ser ninguém.
- Ah, tá. Mas... a primeira pergunta...
- Por que? Bem, porque hoje é um daqueles dias em que chove dentro de casa.

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