segunda-feira, 24 de agosto de 2015

As palavras mais sinceras que eu conheço.

A própria solidão é um delírio. Estou em um planeta com sete bilhões de pessoas e ainda consigo me sentir sozinho. Eu vivo uma segunda vida em uma segunda realidade onde apenas eu e ela existimos e por isso eu me sinto o cara mais solitário do universo quando ela não está por perto.

Não fazia nem uma semana que eu estava trabalhando na floricultura de uma amiga da família. Uma senhora muito gentil. A princípio eu só queria ganhar uma grana pra curtir as férias, mas acabei descobrindo que era também uma oportunidade de conhecer algumas garotas. A floricultura não era exatamente bem localizada. Ficava em uma esquina e as vezes, quando estava ventando, algumas flores acabavam voando por aí. Parecia com aquelas  cenas antigas de desenho animado onde os personagens ficavam desesperados pra arrumar a bagunça. E não foi diferente naquele início chuvoso de tarde. Uma baita ventania começou e eu corri pra fechar a porta antes que mais flores fossem desperdiçadas.

Alguns momentos depois ela abriu a porta. Parecia ter a minha idade e estava completamente ensopada. Foi difícil não encarar. Segurava cuidadosamente duas violetas que havia  pego do chão antes de entrar na loja. Se aproximou do balcão e perguntou qual era o preço. Sim, ela queria comprar duas flores molhadas, sujas e possivelmente pisoteadas. Perguntou também se podia ficar até a chuva diminuir. É claro que podia. Também não cobraríamos pelas flores naquele estado. Não contive a minha curiosidade por muito tempo. 

Ela não pareceu surpresa com a pergunta. Disse que colecionava flores, mas não as comprava ou ganhava. Todas as flores de sua coleção foram encontradas por aí no chão. Ela as colava em um caderno e dava um nome pra cada uma delas. Então fui eu que acabei me surpreendendo. Ela gostava de coisas simples como pizza, flores no meio da rua e música clássica. Coisas simples demais pra um cara como eu que passava o tempo tentando ser excepcional conseguir entender. A chuva diminuiu. Ela me deu uma das violetas, pedindo que eu guardasse com carinho. Eu decidi fazer as coisas do jeito dela, guardei a violeta em uma gaveta vazia e dei seu nome a ela.

Eu passei a guardar todas as flores que encontrava no chão, com muito cuidado pra não pegar nenhuma repetida. De dias em dias ela aparecia na loja pra conversar um pouco e eu lhe dava as flores. Até ajudava a escolher alguns nomes. Ela sempre as recebia com um certo brilho no olhar e um sorriso espontâneo no rosto. Era mais encantador do que parece. As outras garotas que frequentavam a loja já haviam perdido a graça perto dela. A violeta que ela havia me dado no dia em que nos conhecemos já estava tão seca quanto um deserto. Ainda assim, havia algo de significante naquilo. Algo que eu não podia enxergar, mas ela podia. E isso bastava pra mim. Até que um dia eu meio que estraguei tudo.

Um dos meus problemas sempre foi enjoar rápido das pessoas. A partir do momento que conhecia uma garota eu sabia que havia um prazo imaginário até eu enjoar dela e ir atrás de outra. Na maioria das vezes sem motivo nenhum. Sempre foi muito fácil pra mim abrir mão da companhia de alguém porque eu sabia que havia outra pessoa esperando pra ocupar esse lugar. Só ocupar mesmo, porque nenhuma delas me preenchia. Nem chegavam perto. Mas com ela era diferente. Ela não era uma garota atraente que usava seu charme pra conseguir o que queria. Arrisco dizer que ela nem sabia como fazer isso. Não precisava também. E por isso desde o primeiro momento não queria fazer ela passar por nada assim. Não podia nem correr esse risco.

Nunca havia pedido seu telefone ou adicionado ela em nenhuma rede social.  Sabia que ela morava por perto, mas não sabia onde exatamente . Sabia que ela era um ano mais nova que eu, mas não sabia o quanto ela se importava com isso. Nossos encontros eram tão casuais quanto as ventanias que assombravam aquela floricultura. Eu larguei o trabalho assim que as férias acabaram. Sem avisar. Sem despedidas. Me convenci de que seria mais fácil assim. Não foi.

Todos os dias, antes de dormir e assim que eu acordava, eu abria a gaveta apenas pra ter certeza de que a flor ainda estava lá. Apenas pra ter certeza de que tudo o que ela havia me dito não era parte de um sonho ou uma alucinação. E eu tentava enxergar naquele resto seco de violeta o que ela enxergava. Nunca nem cheguei perto, mas também não desisti. As minhas tentativas, ainda que fracassadas, eram também o mais próximo dela que eu podia estar. O rosto dela surgia na minha cabeça diversas vezes. Nenhuma outra garota ou festa ocupava o espaço que ela havia deixado nos meus dias. Ou melhor dizendo, que eu havia feito questão de deixar. Eu já não aguentava mais.

Então naquela manhã eu tomei uma decisão. Dei um passo a frente. Vesti a minha blusa preferida. Procurei dentro de mim as palavras mais sinceras que conheço. Não sabia onde ou se a encontraria, mas precisava encontra-la. Estava pronto pra bater de porta em porta caso fosse necessário. Queria pedir desculpas a ela. Queria saber se ela também pensava em mim. Queria fazer alguma diferença na vida dela. Queria dizer a ela coisas sobre mim que ela ainda não sabia. E repetir as que ela já sabia. Queria conhecer ela de novo e de novo. Eu estava completamente disposto a mostrar pra única garota que podia me preencher aquela igualmente única flor cujo perfume jamais desapareceria.


Um comentário:

  1. Vai se fuder marcelo. Me iludui. "Podem relaxar e ler o de hoje." Ele disse. Vai se ferrar.

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